Quando a lendária Venus Williams entrou na quadra Arthur Ashe, no USTA Billie Jean King Tennis Center, para sua partida de estreia no US Open 2025, sua roupa — um clássico polo branco e saia plissada — chamou atenção não só pelo estilo, mas por homenagear ninguém menos que Althea Gibson, uma verdadeira pioneira do tênis.
Althea Gibson foi a primeira jogadora negra a competir no US Open, em 1950, naquela época ainda conhecido como U.S. National Championships. A participação dela não só quebrou barreiras raciais profundas no esporte, mas abriu caminhos para gerações futuras. O torneio desse ano comemora justamente os 75 anos dessa conquista, celebrando “75 anos de quebra de barreiras”.
Venus, mesmo tendo sido eliminada pela tcheca Karolína Muchová na primeira rodada (6-3, 2-6, 6-1), usou um conjunto personalizado da marca ERL numa clara homenagem a Gibson. “O mais importante aqui é celebrar a Althea Gibson“, declarou Venus durante o torneio. “Ela conquistou muito, mas ainda não recebeu todo o crédito, atenção e reconhecimento que merece.”
Jogadoras como Hailey Baptiste reconhecem o impacto de Gibson. A jovem norte-americana comentou após sua derrota para Naomi Osaka, que avançou para as semifinais: “Ela criou um caminho para tantas jogadoras negras como Venus, Serena, eu mesma e Coco Gauff. Sem uma pioneira assim, a gente não estaria aqui hoje.”
Althea Gibson também foi a primeira mulher negra a conquistar um Grand Slam, com seu primeiro título em simples no Roland Garros de 1956. Desde a Era Aberta do tênis, iniciada em 1968, 38 mulheres negras acumularam títulos de Grand Slam em simples. Entre elas, alguns dos maiores nomes da atualidade e da história, como Serena Williams (23 títulos), Venus Williams (7), Naomi Osaka (4), Coco Gauff (2), Sloane Stephens (1) e Madison Keys (1).
Venus Williams relembra a inspiração de Gibson para sua própria trajetória: “Tive a chance de me sentir orgulhosa de quem eu sou graças a pessoas como Althea. Claro que há diferentes formas de sermos vistos e tratados por causa da cor da pele, mas isso nunca me parou.”
Althea enfrentou barreiras além das quadras. Na época em que o tênis valorizava as vestimentas brancas imaculadas e os frequentadores brancos, Gibson teve que lutar contra o racismo institucional e as leis segregacionistas dos Estados Unidos. Enquanto esportes como beisebol, futebol americano e boxe já estavam se integrando, o tênis ainda estava atrasado.
Um gesto marcante de apoio veio da também campeã Grand Slam Alice Marble, que em julho de 1950 escreveu uma carta contundente reclamando contra a discriminação e apoiando Gibson: “Se o tênis é um esporte para cavalheiros e senhoras, deveria ser tempo de agirmos mais como verdadeiros cavalheiros e menos como hipócritas santarrões.”
A estreia de Althea no US Open foi uma vitória simbólica. Convidada oficialmente para o Nacional de 1950, ela venceu a britânica Barbara Knapp por 6-2, 6-2 na primeira rodada, jogando numa quadra distante dos holofotes. Na segunda rodada, enfrentou a então campeã de Wimbledon, Louise Brough, chegando perto de uma grande surpresa, mas uma tempestade interrompeu a partida e a inexperiência a fez perder esse jogo.
Mesmo assim, isso não apagou sua importância. Althea se tornou a primeira negra a conquistar um Grand Slam (Roland Garros 1956) e a primeira a ser número 1 mundial após vencer Wimbledon e o US Nationals em 1957. Ao final da carreira, somava 11 títulos de Grand Slam, incluindo simples, duplas e duplas mistas. Em 1964, ainda entrou para o golfe profissional, tornando-se a primeira mulher negra na LPGA.
Ben Shelton, jovem talento do tênis, batizou-a como “a pioneira dos afro-americanos no esporte” e ponderou sobre o impacto da sua luta e conquistas na história de sua própria família e de muitos atletas negros.
Althea Gibson inspirou muitas gerações, incluindo a icônica Billie Jean King, que se envolveu diretamente na luta por igualdade e justiça social no tênis e no esporte em geral. King relata que, quando tinha 12 anos, percebeu que o tênis era dominado pelos brancos e se comprometeu a mudar essa realidade. Hoje, ela busca novos nomes capazes de revolucionar o tênis, citando promessas como Coco Gauff e a jovem canadense Victoria Mboko.
Para Gauff, que foi eliminada nas oitavas pela Osaka, saber que jovens a veem como inspiração é um combustível extra: “Ganhar ou perder, saber que pelo menos uma ou duas meninas me admiram me faz querer continuar me esforçando todos os dias para ser minha melhor versão.”
Além das homenagens em quadra, o US Open 2025 apresentou diversas tributos a Althea Gibson. Melissa Koby, primeira artista negra a produzir a arte do torneio, criou um logotipo marcante com a silhueta de Gibson que decorou amplamente o centro de tênis em Nova York. Em entrevista, Koby descreveu Althea como uma ancestral forte, e criou a arte para que a pioneira se orgulhasse do reconhecimento.
A tradicional banda marcial da Florida A&M University, onde Althea estudou por bolsa de tênis, também fez uma performance na quadra Arthur Ashe pouco depois do aniversário de 98 anos da atleta em 25 de agosto.
Houve ainda homenagens culturais, incluindo uma edição de quadrinhos da Marvel com Althea Gibson como personagem junto ao Quarteto Fantástico.
O legado de Althea transcende as vitórias; ela pavimentou o caminho da inclusão, igualdade e representatividade no tênis. Para jogadores atuais, fãs e toda a comunidade esportiva, o US Open 2025 foi um lembrete poderoso da importância de celebrar e continuar essa luta.
Fonte: USA TODAY