Gustavo “Guga” Kuerten marcou época no torneio de Roland Garros, tornando-se tricampeão do Aberto da França e um ídolo nacional no Brasil. Sua combinação de talento no saibro, carisma e determinação conquistou os franceses e popularizou o tênis entre os brasileiros. A seguir, revisamos em estilo jornalístico e acessível toda a trajetória de Guga em Roland Garros – desde a ascensão surpreendente em 1997 até a despedida emocionante em 2008 –, com detalhes de cada participação, estilo de jogo, desafios enfrentados e o legado deixado por esse grande tenista.

Linha do Tempo da Trajetória de Guga em Roland Garros

  • 1996 – Estreia: Aos 19 anos, Guga disputou Roland Garros pela primeira vez. Entrou no torneio como nº 131 do ranking e foi eliminado na primeira rodada pelo sul-africano Wayne Ferreira (então nº 11 do mundo) em sets diretos.
  • 1997 – Campeão surpresa: Em sua segunda participação, Kuerten protagonizou uma das maiores zebras da história do torneio. Aos 20 anos e apenas 66º do ranking, ele derrubou uma série de favoritos e conquistou o título. Na terceira rodada, Guga superou o austríaco Thomas Muster (campeão de 1995) em uma batalha de cinco sets. Em seguida, nas oitavas de final, venceu o ucraniano Andrei Medvedev também em cinco sets. Nas quartas de final, enfrentou o atual campeão Yevgeny Kafelnikov e novamente triunfou em cinco sets. Na semifinal, derrotou o belga Filip Dewulf, um qualifier surpresa, em quatro sets (parciais de 6-1, 3-6, 6-1, 7-6). Na final, exibindo um tênis agressivo e confiante, Guga dominou o espanhol Sergi Bruguera – bicampeão de 1993/94 – em sets diretos, 6–3, 6–4, 6–2. Com a vitória, Kuerten tornou-se o primeiro tenista brasileiro campeão de um Grand Slam em simples, saltando do 66º para o 15º lugar no ranking mundial. Sua campanha de 1997 impressionou por ele ter vencido, na mesma edição, os campeões das quatro edições anteriores de Roland Garros (Muster, Bruguera e Kafelnikov) – um feito inédito que surpreendeu o mundo do tênis.
  • 1998 – Queda precoce: Na primeira defesa do título, aos 21 anos e já entre os top 10 do mundo, Guga viveu o outro lado da surpresa. Ele foi eliminado na 2ª rodada pelo jovem russo Marat Safin, então apenas nº 116 do ranking. Em uma batalha de cinco sets (3-6, 7-6, 3-6, 6-1, 6-4), o qualifier Safin derrubou o campeão vigente, marcando a primeira vez na Era Aberta que um qualifier venceu o atual campeão de um Grand Slam. A derrota precoce frustrou as expectativas e mostrou que Roland Garros poderia reservar desafios mesmo para o campeão do ano anterior.
  • 1999 – Quartas de final e contexto histórico: Guga recuperou o bom tênis na temporada de saibro de 1999, chegando a Paris embalado pelo título no Masters de Roma na semana anterior. Em Roland Garros, atingiu as quartas de final, mas foi derrotado pelo ucraniano Andrei Medvedev – exatamente o mesmo que ele vencera em 1997. Medvedev, então nº 100 do mundo, surpreendeu Guga e seguiu até a final do torneio. Embora Kuerten não tenha levantado o troféu, sua campanha confirmou que ele já era considerado um dos favoritos no saibro.
  • 2000 – Bicampeonato consagrador: Na sua 5ª participação, veio a redenção. Aos 23 anos e ocupando o posto de nº 5 do ranking, Gustavo Kuerten reencontrou seu melhor tênis em Paris. Ele conquistou o bicampeonato de Roland Garros em uma campanha marcada por grandes jogos e drama nas fases finais. Guga avançou com tranquilidade nas primeiras rodadas – venceu Andreas Vinciguerra na estreia por 3×0 (parciais 6/0, 6/0, 6/3) e Mariano Zabaleta na 2ª rodada também em sets diretos. Na 3ª rodada, superou o veterano americano Michael Chang em quatro sets duros (6/3, 6/7, 6/1, 6/4). Nas oitavas, passou pelo equatoriano Nicolás Lapentti por 3×0 (6/3, 6/4, 7/6). A partir das quartas de final, Guga reencontrou velhos conhecidos: enfrentou Yevgeny Kafelnikov novamente. Em um duelo tenso, Kuerten chegou a ficar em situação delicada (perdia por 2 sets a 1 e o russo teve 4/2 e 40-15 no quarto set), mas o brasileiro arrancou uma virada espetacular. Venceu Kafelnikov por 3 sets a 2 (6/3, 3/6, 4/6, 6/4, 6/2), exorcizando o “fantasma” do rival russo em Paris. Na semifinal, encarou o jovem espanhol Juan Carlos Ferrero – então com 20 anos – em um confronto de cinco sets. Guga saiu atrás, mas novamente mostrou resiliência para vencer por 3×2 (7/5, 4/6, 2/6, 6/4, 6/3). A final de 2000 foi contra o sueco Magnus Norman, nº 3 do mundo, e entrou para a memória: Guga abriu vantagem de dois sets a zero, viu Norman reagir no terceiro set, mas fechou a partida no quarto set com um tie-break emocionante por 7-6(8-6). Placar final: 3×1 (6/2, 6/3, 2/6, 7/6). Ao sagrar-se bicampeão, Kuerten assumiu a liderança da “Corrida dos Campeões” da ATP e pavimentou o caminho para se tornar número 1 do mundo ao fim daquela temporada.
  • 2001 – Tricampeonato e coração no saibro: Na segunda defesa de título, Guga chegou a Roland Garros 2001 como o favorito e cabeça de chave nº 1, aos 24 anos, vivendo o auge da carreira. A campanha do tricampeonato, porém, teve momentos dramáticos. Nas primeiras fases, Kuerten avançou sem sustos até as oitavas de final. Até que veio o jogo das oitavas: diante do americano Michael Russell, um qualifier então 122º do mundo, Guga esteve à beira da eliminação. Desconcentrado, perdeu os dois primeiros sets e viu Russell ter um match point contra ele. Mas a estrela do campeão brilhou: Kuerten salvou a oportunidade do adversário e iniciou uma virada inacreditável, vencendo por 3 sets a 2. Com a vitória sofrida, extravasou a emoção desenhando um coração no saibro da quadra Philippe-Chatrier – gesto simbólico que eternizou sua conexão com o torneio. “Foi a recompensa mais linda que recebi na vida… O coração, esse amor que envolveu todo o processo”, recordou Guga sobre aquele momento mágico. Depois do susto, Kuerten embalou na reta final: reencontrou Kafelnikov nas quartas e venceu novamente (desta vez em 4 sets, parciais de 6/1, 3/6, 7/6 e 6/4); na semifinal, enfrentou Juan Carlos Ferrero pelo segundo ano consecutivo e, ao contrário de 2000, desta vez dominou o espanhol em sets diretos – 6/4, 6/4, 6/3. Na final, Guga teve pela frente o experiente Alex Corretja. Após perder um tiebreak no 1º set, Kuerten tomou conta do jogo e virou para vencer por 3×1 (6–7, 7–5, 6–2, 6–0). O tricampeonato em Paris consagrou de vez Gustavo Kuerten: ele encerrou aquele torneio como o primeiro brasileiro líder do ranking mundial da ATP, e a cena do coração desenhado no saibro entrou para a história de Roland Garros e do esporte.
  • 2002 – Lesões e despedida do tricampeão: Na terceira tentativa consecutiva de defender o título, Guga já não estava em plena forma. Aos 25 anos e nº 7 do mundo, ele vinha lutando contra dores crônicas no quadril. Em Roland Garros 2002, Kuerten caiu nas oitavas de final diante do espanhol Albert Costa (então nº 22), perdendo em sets diretos. Costa viria a ser o campeão daquela edição, mas para Guga ficou claro que o físico começava a ser um obstáculo na busca pelo tetra.
  • 2003 – Persistência em meio às dificuldades: Ainda sofrendo com lesões e após passar por cirurgias, Guga chegou ao Aberto da França de 2003 fora do top 10 pela primeira vez desde 1997. Mesmo longe da melhor condição, o brasileiro conseguiu avançar até as oitavas de final. Porém, nessa fase foi derrotado pelo espanhol Tommy Robredo (33º do ranking) por 3 sets a 1, com parciais de 6/4, 1/6, 7/6 e 6/4. Foi uma campanha honrosa, considerando suas limitações físicas, mas evidenciou que os tempos de glória no saibro parisiense estavam ameaçados pelas contusões.
  • 2004 – O último lampejo de genialidade: Em sua 9ª participação, aos 27 anos e já como nº 30 do mundo, Guga protagonizou um momento memorável. Na 3ª rodada, ele enfrentou o então nº 1 do ranking, Roger Federer, e venceu de forma surpreendente por 3 sets a 0 (triplo 6-4). Essa vitória – derrubando o principal favorito – levou a torcida ao delírio e mostrou que Kuerten ainda podia brilhar em seu “quintal” de Paris. Guga avançou até as quartas de final, onde acabou derrotado pelo argentino David Nalbandian (top 10 mundial) em quatro sets (2/6, 6/3, 4/6, 6/7). A campanha de 2004 foi seu último grande resultado em Slams. De quebra, a vitória sobre Federer marcou o último jogo vencido por Kuerten em Roland Garros.
  • 2005 – Despedida precoce: Na sua 10ª participação consecutiva em Paris, Guga já sofria com a queda vertiginosa no ranking (era apenas o 94º) e a falta de ritmo devido às lesões. Ele foi eliminado logo na primeira rodada pelo espanhol David Sánchez em três sets. Após uma década brilhante de participações ininterruptas, esse revés simbolizou o fim de um ciclo.
  • 2006–2007 – Ausência por lesão: Nesses dois anos, Kuerten não pôde competir em Roland Garros. Passou por cirurgias no quadril e longos períodos de recuperação, o que o afastou das quadras e praticamente encerrou sua carreira de alto nível. A torcida francesa, porém, não esqueceu seu tricampeão nesse hiato.
  • 2008 – O adeus em Paris: Roland Garros 2008 foi escolhido por Guga para ser o palco da sua despedida oficial do tênis. Sem jogar o torneio desde 2005, ele recebeu um convite (wild card) da organização e voltou à Philippe-Chatrier para uma última partida. Aos 31 anos de idade e praticamente sem ranking, Kuerten entrou em quadra “para receber uma homenagem” e sentir novamente o carinho do público no cenário que o consagrou. Em sua última partida de simples, foi superado pelo francês Paul-Henri Mathieu na 1ª rodada, por 3 sets a 0 (6-3, 6-4, 6-2). Mas o resultado era o de menos: após o jogo, Guga foi celebrado em clima de emoção e reconhecimento, com direito a discurso de agradecimento e troféu simbólico em quadra. Vestindo o mesmo estilo de uniforme amarelo e azul que usara em 1997, ele ouviu aplausos de pé da torcida parisiense enquanto se despedia do torneio que foi “como uma casa” para ele. “Este torneio é realmente como um lar para mim”, declarou Kuerten, resumindo sua conexão especial com Roland Garros.

Estilo de Jogo de Guga no Saibro e Adaptação ao Torneio

No auge, Gustavo Kuerten revolucionou a forma de jogar no saibro. Se até os anos 90 prevalecia o estilo defensivo e paciente, Guga mostrou que era possível ser agressivo na terra batida sem abandonar o fundo de quadra. Ele mudou a maneira de se jogar no saibro ao atacar com potentes golpes de base, arriscando winners e ditando os pontos mesmo em rallies longos. Seu forehand pesado com topspin empurrava os adversários para trás, enquanto o backhand de uma mão – especialmente na paralela – tornava-se uma arma mortal e surpreendia os oponentes. Lleyton Hewitt, um de seus contemporâneos, destacou que Guga “era agressivo no saibro, mas não do tipo que ia à rede – agredia disparando winners… Tinha um backhand de uma mão incrível”. Esse estilo exuberante quebrou paradigmas: Kuerten provou que dava para jogar “sobre a linha”, tomando a bola na subida e não apenas reagindo aos golpes altos do rival.

Outra característica marcante era o saque eficiente de Kuerten. Para um saibrista, ele possuía um primeiro serviço pesado, capaz de gerar aces e pontos fáceis, o que lhe dava vantagem inicial nos games de saque. Guga também tinha excelente preparo físico e footwork apurado, deslizando nas curtíssimas para alcançar bolas difíceis e contra-atacando com precisão. Sua movimentação leve na quadra de saibro às vezes parecia despretensiosa, quase “languida”, como notaram alguns jornalistas, mas mascarava uma resistência e competitividade ferozes.

A adaptação de Guga a Roland Garros foi além da técnica – envolveu também o aspecto emocional. Ele sempre mencionou se sentir “em casa” nas quadras parisienses, algo que ficou evidente em sua relação com o público. Gustavo nutria uma afinidade especial com a quadra Philippe-Chatrier: ao pisar no palco principal, parecia crescer de tamanho. “Quando entrava na quadra central, Guga se agigantava. Tinha uma relação muito boa com o público e com aquela quadra”, relatou Magnus Norman, rival na final de 2000. Essa sintonia com a torcida francesa dava a Kuerten um algo a mais – uma confiança e energia extra que o faziam jogar seu melhor tênis em Paris. O próprio Guga certa vez afirmou que em Roland Garros “tudo era um mundo mágico, tudo dava certo”, descrevendo a atmosfera que vivia ali.

Tecnicamente, Kuerten soube evoluir seu jogo no saibro ao longo dos anos. Em 2000, por exemplo, enfrentou problemas com um novo modelo de raquete que reduzia seu topspin – chegou a quebrá-la num treino de raiva – e acabou voltando a usar suas raquetes antigas para não perder seu principal efeito. Essa decisão deu certo: recuperou o spin pesado e a confiança para atacar com profundidade, elementos cruciais do seu jogo. Larri Passos, seu treinador, moldava os treinos focando em estratégias para adversários específicos (como Kafelnikov) e em ajustes finos, como posicionamento de devolução e variação de altura de bola, para aproveitar melhor as condições do saibro parisiense.

Em suma, o estilo de Guga no saibro combinava habilidade técnica, agressividade estratégica e paixão em quadra. Ele trouxe alegria e espontaneidade a um piso tradicionalmente “sério”, jogando de forma ofensiva sem descuidar da consistência. Essa nova abordagem influenciou outros jogadores sul-americanos e o consolidou como um dos grandes “reis do saibro” de sua época, ao lado dos gigantes que o precederam.

Desafios e Obstáculos ao Longo da Jornada

A trajetória de Kuerten em Roland Garros não foi feita só de vitórias – ele enfrentou inúmeros desafios, desde adversários duríssimos até problemas físicos que encurtaram sua carreira de topo. Um dos primeiros grandes obstáculos foi a instabilidade típica de um jovem tenista: antes de 1997, Guga era praticamente desconhecido e alternava bons e maus resultados. Chegou a Paris naquele ano sem grande expectativa (ele próprio admitiu que vinha com a confiança abalada), mas surpreendeu ao “abater de forma implacável as celebridades” que cruzaram seu caminho.

Após o título de 1997, vieram as cobranças e também derrotas dolorosas. Em 1998, o desafio foi lidar com a pressão de defender um título de Slam. A eliminação precoce para Marat Safin – um adolescente então – foi um choque. Safin jogou solto e entrou para a história ao eliminar o campeão vigente, algo inédito até então. Guga “ficou espantado” com o poder do jovem russo naquele dia, mas reconheceu que “isso é a vida do tênis”, como Safin filosofou após a partida. Em 1999, mesmo jogando bem, Kuerten esbarrou em Andrei Medvedev nas quartas. Medvedev era um jogador talentoso no saibro, embora estivesse fora do topo – provou isso indo até a final. Esses reveses mostraram a Guga que vencer em Paris podia ser tão difícil quanto chegar lá.

Entre os adversários mais complicados, destacam-se alguns nomes. Yevgeny Kafelnikov talvez tenha sido o maior rival de Guga em Roland Garros. Campeão em 1996, o russo tinha um estilo que tradicionalmente incomodava Kuerten, a ponto de o brasileiro confessar que era um dos poucos oponentes que ele “temia” enfrentar. Larri Passos revelava que muitos treinos de Guga no torneio eram pensados para neutralizar as características de Kafelnikov. No entanto, em Paris o retrospecto foi amplamente favorável a Kuerten: os dois se enfrentaram três vezes nas quartas de final (1997, 2000 e 2001), com três vitórias de Guga. Ainda assim, foram batalhas intensas – em 2000, por exemplo, Kafelnikov esteve a dois pontos da vitória antes de Guga virar o jogo. Já Juan Carlos Ferrero, apelidado de “Mosquito”, foi outro rival de peso. Ferrero despontou no fim dos anos 90 e começo dos 2000 como um dos melhores no saibro, e mediu forças com Kuerten em semifinais consecutivas. Em 2000, levou Guga ao limite em cinco sets; em 2001, acabou superado com mais facilidade. Ferrero admitiu que a experiência de Kuerten fez a diferença, já que Guga “já tinha ganho o torneio” e sabia lidar melhor com a situação.

Outros desafios vieram de fora das quadras. Lesões, especialmente no quadril direito, começaram a atormentar Guga a partir de 2001. Logo após conquistar o tri, Kuerten precisou passar por procedimentos médicos e longos tratamentos. Em 2002 e 2003, ainda conseguiu jogar Roland Garros, mas claramente abaixo de sua melhor forma. A falta de mobilidade e dor constante tiraram parte de sua magia no saibro. Em 2004, mesmo não estando 100%, Guga teve um lampejo de seu antigo eu ao vencer Federer, porém as dores persistentes impediram-no de manter aquele nível em partidas seguidas. Em 2006, não teve escolha senão fazer cirurgia. A consequência foi ficar dois anos afastado do Grand Slam que mais amava. O próprio Kuerten refletiu, anos depois, que se tivesse tido condições físicas normais poderia ter estendido sua hegemonia: “Ter cinco títulos de Roland Garros seria algo normal… Eu jogaria mais uns cinco anos como favorito, talvez uns dois títulos viessem” – lamentou, sugerindo que as lesões o impediram de conquistar mais troféus em Paris.

Também houve momentos dramáticos que testaram o psicológico de Guga. O caso mais emblemático foi o duelo contra Michael Russell nas oitavas de 2001, já mencionado. Ali, Kuerten precisou escavar fundo na alma de campeão para salvar um match point e virar o jogo. Após vencer, ele disse aos jornalistas “Eu sou um cara que não entrega nada de bandeja”, ressaltando sua luta e recusando-se a desistir mesmo nas situações mais adversas. Essa obstinação virou marca registrada de Guga e inspirou muitos fãs.

Em resumo, Gustavo Kuerten enfrentou os gigantes de sua época – de ex-campeões consagrados a jovens estrelas em ascensão – e lidou com a pesada cruz das contusões. Cada desafio, contudo, pareceu aumentar ainda mais o carinho que ele desenvolveu pelo torneio e pelo público, pois foi nas dificuldades que Guga mostrou toda a raça e coração que conquistaram Paris.

Impacto de Guga na Popularização do Tênis no Brasil

A história de Guga em Roland Garros transcende as quadras e teve um impacto profundo no esporte brasileiro. Antes de 1997, o tênis era um nicho no Brasil, sem grande apelo popular ou cobertura midiática expressiva. A inesperada conquista de Kuerten mudou esse cenário da noite para o dia. A mídia nacional, que pouco falava de torneios de tênis, de repente passou a dar destaque de capa: a revista VEJA, por exemplo, estampou Guga campeão de 1997 em sua capa, chamando-o de “surfista grunge” que derrotou as feras do tênis mundial. A Rede Globo interrompeu sua programação para anunciar o título em Paris – fato raríssimo se tratando de tênis – e, a partir dali, passou a transmitir Roland Garros diariamente no Globo Esporte durante as campanhas de Kuerten. “Com a vitória de Gustavo Kuerten em Roland Garros… o tênis conquistou espaço nos programas esportivos da emissora”, registrou o Memória Globo, evidenciando o salto de visibilidade que a modalidade ganhou no país.

Nas ruas e clubes, um fenômeno semelhante ocorreu: milhares de crianças e jovens se sentiram motivados a experimentar o tênis, inspirados pelo carisma do “manézinho” de Florianópolis que encantava os parisienses. Houve um boom na procura por aulas e raquetes; termos como “ace”, “grand slam” e “saibro” entraram no vocabulário do torcedor brasileiro médio. Guga tornou-se um ídolo nacional, comparável a grandes nomes do futebol em popularidade durante seu auge. Sua simpatia – sempre distribuindo sorrisos e conquistando todos com o famoso “coração” dedicado à torcida – ajudou a quebrar a imagem elitista do tênis e aproximou o esporte do grande público.

No Brasil, Kuerten também influenciou políticas esportivas e patrocínios. Empresas que jamais haviam investido em tênis passaram a apoiar torneios e atletas. Surgiram eventos-exibição com Guga lotando ginásios, e novos talentos brasileiros despontaram tendo-o como referência. Embora nenhum sucessor tenha alcançado as mesmas glórias em Grand Slams, a “geraçao Guga” manteve o tênis brasileiro vivo no cenário internacional durante anos. Até hoje, jovens jogadores citam Kuerten como inspiração direta. Recentemente, por exemplo, o juvenil João Fonseca – apontado como promessa – declarou que Guga é um espelho e que seu sucesso abriu portas e despertou sonhos que antes pareciam impossíveis.

Internacionalmente, Guga também elevou o tênis sul-americano. Seus feitos mostraram que um latino-americano podia chegar ao topo do ranking e ser tricampeão em Paris, algo que trouxe novo ânimo à região. “Ele deixou um enorme legado para o tênis sul-americano”, afirmou Lleyton Hewitt em 2012, ressaltando que Kuerten deu uma nova vida ao esporte em países como Brasil, Argentina e Chile. Não à toa, Guga foi introduzido no Hall da Fama do Tênis Internacional em 2012, recebendo homenagens não apenas de brasileiros, mas de fãs do mundo todo.

Por fim, o carisma de Kuerten projetou uma imagem positiva do Brasil lá fora. Em Paris, ele virou praticamente um herói local – a arquibancada cantava “Olê, olê, olê, Guga, Guga!” a cada jogo. Sua influência na popularização do tênis em seu país é comparável à de Ayrton Senna na Fórmula 1 ou de Pelé no futebol: fez com que um esporte antes restrito ganhasse o coração do povo. O tênis brasileiro jamais foi tão discutido em botequins e escolas quanto na era Guga, e esse talvez seja um dos maiores legados de sua trajetória.

Declarações de Guga sobre Roland Garros

Ao longo dos anos, Gustavo Kuerten deu diversas entrevistas relembrando sua relação especial com Roland Garros. Seus depoimentos oferecem um olhar pessoal sobre conquistas e desafios no torneio:

  • “O amor envolveu toda a conquista” – “Foi a recompensa mais linda que recebi na vida… O terceiro título é o último grande momento. O coração, esse amor que envolveu todo o processo. Todo mundo se emocionava imensamente com o que a gente fazia. Lembro da alegria e da comemoração”, disse Guga, emocionado, ao celebrar os 20 anos do tricampeonato. Nessa entrevista coletiva em 2021, ele destacou que desenhar o coração no saibro simbolizou toda a conexão de amor com os fãs e consigo mesmo naquele torneio.
  • Convicção após o bi: “Em 2000, minha carreira muda da água para o vinho… Roland Garros trouxe o carimbo de que era apenas uma questão de tempo (para ser nº 1 do mundo)”, revelou Kuerten sobre o impacto do bicampeonato. Ele confessou que, ao erguer o troféu pela segunda vez, teve certeza de que alcançaria o topo do ranking e poderia vencer qualquer adversário. “Alcançamos um novo nível… Me senti convicto de que podia desafiar Agassi e Sampras. Eu estava pronto para vencer em qualquer ano que aparecesse”, afirmou, demonstrando a confiança que o triunfo em Paris lhe deu.
  • Roland Garros como lar: “Este torneio é realmente como um lar para mim”, definiu Guga em sua despedida em 2008, diante do público francês. Mesmo derrotado na primeira rodada, ele fez questão de discursar e agradecer em francês e português, deixando claro o quanto se sentia em casa naquelas quadras. Kuerten frequentemente mencionou a energia única que sentia em Paris: “A atmosfera aqui é mágica, me sinto leve, feliz. Jogo com o coração”, disse em francês numa entrevista ainda em 2001, explicando o porquê de seu melhor tênis sempre aparecer no Phillipe-Chatrier.
  • Sobre não desistir nunca: “Eu não entrego nada de bandeja”, cravou Kuerten após a virada contra Michael Russell em 2001, segundo relato da época. Essa frase simples resume o espírito guerreiro de Guga, que completou dizendo que enquanto houvesse chance, lutaria até o fim – fosse contra um top 5 ou um qualifier desconhecido. “Aprendi a competir assim, acreditando até a última bola”, ele explicou em outra ocasião, creditando ao treinador Larri Passos a mentalidade de jamais desistir de um jogo perdido.

Essas declarações de Kuerten ilustram não apenas fatos de sua trajetória, mas principalmente os sentimentos e valores que o definiram em Roland Garros: amor pelo esporte, confiança nas próprias capacidades e garra incomparável diante das adversidades.

Despedida e Aposentadoria em Roland Garros

A despedida de Gustavo Kuerten das quadras teve um capítulo final justamente em Roland Garros, num momento repleto de simbolismo. Em 25 de maio de 2008, dia de abertura do torneio, todas as atenções do público central se voltaram para a homenagem a um ídolo que se despedia. Após perder sua partida de estreia, Guga foi chamado de volta à Quadra Central Philippe-Chatrier para uma cerimônia de despedida digna de campeão. Funcionários entraram carregando uma mesa com troféu, fotógrafos se aglomeraram, e o estádio levantou para aplaudir de pé o tricampeão que dava adeus.

Kuerten vestia uma réplica do famoso uniforme colorido de 1997 – camiseta azul e amarela, faixa na cabeça – como que fechando um círculo histórico. Visivelmente emocionado, ele agradeceu em francês: “Merci beaucoup”, disse ao microfone, antes de completar em português, com a voz embargada, que Roland Garros sempre seria especial para ele. “É muita emoção… Vivi os melhores momentos da minha vida aqui”, declarou. Em seguida, repetiu o gesto que o imortalizou: ajoelhou-se e desenhou mais uma vez um coração no saibro, sob aclamação do público. Foi a forma perfeita de se despedir: com arte, amor e simplicidade, do jeito Guga de ser.

Nos bastidores, aquela edição de 2008 já celebrava Kuerten desde antes da bola rolar. Na cerimônia de sorteio da chave, Guga fora homenageado com um vídeo de seus grandes pontos e recebeu uma miniatura da Coupe des Mousquetaires (troféu de Roland Garros). Durante a primeira semana, a organização exibiu em telões momentos clássicos de suas conquistas, e camisas com seu nome eram vistas em todos os cantos do complexo.

Ao terminar a partida contra Mathieu, Guga abraçou longamente o adversário francês e recebeu dele palavras de respeito. “Merci, Guga!” bradaram torcedores nas arquibancadas. A atmosfera era agridoce: tristeza pelo adeus, mas gratidão pelos anos de alegria proporcionados. Alguns dias depois, Kuerten ainda disputou duplas por Paris, mas deixou claro que aquela participação tinha sido uma exceção festiva – sua carreira profissional se encerrava ali.

A imagem final de Kuerten em Roland Garros – acenando sorridente com os três dedos levantados, alusivos ao tri, enquanto deixava a quadra – resume a linda relação entre o atleta e o torneio. Paris não queria se despedir de seu “garoto de ouro”, mas ao mesmo tempo celebrava tudo o que ele representou.

Legado e Importância de Guga Kuerten

Gustavo Kuerten encerrou a carreira com três títulos de Roland Garros (1997, 2000, 2001) e inscrito para sempre no hall dos grandes campeões do torneio. Seu legado para o tênis brasileiro e para o Aberto da França é imenso e multifacetado.

Para o Brasil, Guga elevou o tênis a um patamar inédito. Tornou-se o maior tenista masculino da história do país, referência e fonte de inspiração para gerações. Provou que um brasileiro podia, sim, figurar entre os melhores do mundo num esporte dominado por europeus e norte-americanos. Além disso, com sua Fundação e projetos sociais, Kuerten aproveitou a fama para promover inclusão através do esporte, consolidando uma imagem de ídolo acessível e engajado. Até quem não acompanhava tênis passou a saber quem era “Guga” – seu apelido virou sinônimo de talento, humildade e superação.

Em Roland Garros, o legado de Kuerten é sentido até hoje. Ele faz parte da galeria de tricampeões do torneio, um seleto grupo que inclui lendas como Björn Borg, Ivan Lendl e Rafael Nadal. Nas comemorações dos 100 anos de Roland Garros, lá estava Guga entre os homenageados. Em 2022, quando o Philippe-Chatrier foi remodelado, Kuerten foi convidado de honra e relembrou em quadra o gesto do coração, revivendo a emoção com o público francês. Os organizadores frequentemente o citam como “embaixador” informal do torneio, dada sua popularidade. É comum vê-lo entregar troféus ou participar de entrevistas nostálgicas durante a quinzena parisiense, sempre muito aplaudido.

Tecnicamente, muitos analistas creditam a Guga uma mudança de estilo no saibro que influenciou jogadores posteriores. Seu jogo agressivo preconizou uma era em que tenistas como Roger Federer e Stan Wawrinka também seriam campeões em Paris mesclando ataque e consistência. O próprio Rafael Nadal já declarou admiração por Kuerten, e não por acaso a nova geração de tenistas brasileiros tenta seguir seus passos no saibro europeu (a exemplo de Thiago Wild e Felipe Meligeni, que já conquistaram torneios no piso lento).

Mas talvez o maior legado de Guga Kuerten seja imaterial: ele mostrou o poder do carisma e da alegria no esporte. Sua famosa comemoração deitado dentro do coração desenhado no chão permanece como uma das imagens mais icônicas da história de Roland Garros. Ali, mais do que um tenista, celebrava-se a paixão pura pelo jogo. Kuerten jogava com um sorriso no rosto e vibração genuína, trazendo leveza a um esporte competitivo. Esse espírito cativou fãs pelo mundo e deixou lições sobre esportividade, humildade na vitória e perseverança na derrota.

Em conclusão, a trajetória de Gustavo “Guga” Kuerten em Roland Garros é um conto inesquecível de talento, coração e legado. De campeão improvável a tricampeão consagrado, ele escreveu capítulos eternos nas quadras de saibro de Paris. Seu legado vive em cada jovem brasileiro que pega numa raquete sonhando em ser o próximo Guga, e em cada aplauso carinhoso que ressoa na Philippe-Chatrier quando lembram daquele brasileiro de riso fácil. Kuerten não apenas ganhou troféus; ele conquistou corações – e esse será sempre o seu maior título.